Ainda tardo no anoitecer. Fico em silhueta amparada pelo pensamento. Devagar escolho a sensação de adormecer no teu sopro de Outono. E amputada no querer deixo rios de imagens deambularem nas mãos do vento. Escurece no meu peito e aclaram-se as formas de vida ao meu redor. Vejo-te. Preencho o mapa do teu corpo com lágrimas secas que guardei no coração. Tardiamente, na madrugada!

É óbvio o Todo.



Hoje abriu-se o céu e um anjo cantou para mim.
Fascinada.
Por detrás de muros e momentos espreitei o infinito.
Incrédula.
Calaram-se as vozes que do tempo me reduziam a mim.
É óbvio o Todo.

Sei. Cumpro o prometido.



Sei que o contorno da ausência
é uma linha fechada e triste
feita de grãos de areia ardentes
Sei da liquidez salgada e dorida
de todo o meu corpo

Mas a alma,
essa,
fala-me da importância
de fazer nascer o mar
neste deserto

E todo o meu cansaço
é sedento

Sustenho-me
na beira do abismo
e rezo pelo alento
peço o poder da montanha
o calor do sol
a força do vento

Atiro-me
pequeno corpo líquido
Na direcção da ausência.

Preencho o vazio
Cumpro o prometido


Existo agora
com a pesada mão do coração
dentro do peito
E sopram correntes feitas de caminhos e símbolos
Aqueles, que do infinito me adormecem e acordam
deixando para trás a ausência
Relativizando
Amando.

Companheira do cedro e do melro do meu jardim.



Volto ao tempo dos caminhos que de cá para lá me levam a mim.
De lá para cá me devolvem ao nada.
E de mim no nada me falam de tudo.
E inteira no imenso puzzle de Deus faço sentido,
companheira do cedro e do melro do meu jardim.

Devolve-me ao infinito.



Sorrio
E afugento a noite escura
Entrelaço os dedos e escapam-se as sombras

De mim para ti
Estrelas transformam-se em sóis

De mim para ti
O silêncio que as linhas das minhas mãos permitem

Lá fora
no espaço que nos desenha a alma
um rouxinol
Salpicando de cores a madrugada

De mim para ti
O som de uma harpa na noite escura
desenhando recantos iluminados

De mim para ti
o cansaço do olhar
que permite
o sonho aconchegado
partilhado

Devolve-me ao infinito

Poderia.



Poderia a madrugada acordar-me os dedos
Fazer da dormência vôos de ternura
Iluminar de dourados os olhares adormecidos

Seriam as mãos claridades e os gestos matizes de alvorada
Seriam os abraços danças renovadas
E as silhuetas dos sonhos
Partiriam para outras paragens

E no entanto
ainda seria cedo para acordar o céu

Adormecido no infinito
Sonha
Deus